Saiu na Revista Época

Professora e aluna do Programa de Pós-Graduação em Biologia do ICB, são destaque na Revista Época. Veja a Reportagem.

REVISTA ÉPOCA - NUTRIÇÃO - Sociedade

Edição 465 - 16/04/2006

 

 

Tempero contra o câncer?

Pesquisas sugerem que o cúrcuma, ingrediente do curry, pode ajudar no tratamento de doenças como o câncer, a artrite reumatóide e o mal de Alzheimer

Marcela Buscato

O indiano Bharat Aggarwal, de 57 anos, toma uma cápsula de 500 miligramas de curcumina há três anos todas as manhãs. A curcumina é um dos componentes do cúrcuma, ingrediente que dá a cor amarelada ao curry indiano, um tempero à base de várias especiarias. O que interessa a Aggarwal não são as qualidades gustativas do condimento, que chamaram a atenção do italiano Marco Polo em sua viagem ao Oriente, no século XIII. Para ele importam outras propriedades. A curcumina, presente no tempero de gosto levemente amargo, seria um poderoso antiinflamatório, antioxidante e antimicrobiano. "Não lembro da última vez em que tive um resfriado", disse Aggarwal. "Se é a curcumina, eu não sei. O que importa é que continue funcionando."

Aggarwal não é exatamente um hipocondríaco nem um fanático por remédios da moda. É pesquisador do Departamento de Terapias Experimentais do M.D. Anderson Cancer Center, instituição ligada à Universidade do Texas e uma das referências da pesquisa de câncer nos Estados Unidos. Há quase 20 anos, o cientista indiano, que vive desde a década de 70 nos Estados Unidos, recorreu à cultura de seu país de origem para procurar novos tratamentos para o câncer. "O uso do cúrcuma tanto na alimentação quanto como fitoterápico é documentado na literatura indiana há mais de 2 mil anos", diz o clínico-geral Aderson Moreira da Rocha, presidente da Associação Brasileira de Ayurveda, a tradicional medicina indiana. Lá, a planta é usada principalmente para tratar ferimentos e doenças de pele. Mas o que vem chamando a atenção da medicina ocidental para a planta é o potencial de seu principal componente, a curcumina, para tratar doenças graves, como câncer, mal de Alzheimer e fibrose cística.

A ação da curcumina sobre o câncer é uma das áreas que mais têm recebido atenção dos pesquisadores. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Instituto Nacional de Câncer registra atualmente 14 pesquisas em andamento ou cujo início já foi aprovado. No Brasil, o resultado de um estudo realizado pela Universidade Federal de Goiás foi apresentado em fevereiro. A bióloga Marcella Lemos Brettas Carneiro aplicou curcumina em células de melanoma humano, o tipo mais grave de câncer de pele, cultivadas em laboratório. Quase 90% das células que receberam altas concentrações de curcumina morreram. A próxima etapa é testar o procedimento em pacientes, o que deve ocorrer no segundo semestre. "Uma das vantagens da curcumina é que ela faz com que a célula cancerosa diminua até ser absorvida pelo organismo", diz Lidia Andreu Guillo, orientadora do estudo. Outros tipos de drogas usadas no tratamento de câncer seriam mais agressivos a nosso organismo. Elas fazem com que a célula doente arrebente, acionando o sistema de defesa do corpo, que gera uma inflamação na região. A curcumina é considerada um tratamento promissor por ser barata e não-tóxica ao organismo.

O problema é que a
maioria dos estudos
foi feita apenas com
animais ou células
em laboratório

Com as pesquisas, os cientistas estão conseguindo desvendar o mecanismo de ação da curcumina sobre o câncer. A doença se caracteriza pelo crescimento desordenado de algumas células em nosso corpo. E a curcumina atua sobre várias proteínas que regulam tanto a proliferação quanto a morte das células. Por isso, teria efeito sobre o câncer. "Essa ação múltipla é maravilhosa. Mas, ao mesmo tempo, pode ser uma desvantagem", afirma Marcella. Não se sabe como controlar a ação da substância. Os pesquisadores ainda não conseguem determinar até que ponto a curcumina vai inibir as protaeínas que causam o crescimento da célula cancerosa (o que é bom) ou inibir as proteínas que matariam as células doentes (o que é ruim). Esse tipo de efeito adverso foi revelado por três estudos, feitos por pesquisadores americanos e israelenses em células de leucemia mielóide, câncer de cólon e câncer de mama. Apesar dessas pesquisas, Aggarwal, do M.D. Anderson Cancer Center, acredita que as evidências positivas do cúrcuma prevalecem. "Há quase 2 mil artigos sobre os benefícios da curcumina e apenas três mostrando que talvez ela faça o contrário", afirma.

Outro problema é que a maioria dos estudos sobre o assunto foi feita com animais ou com células cultivadas em laboratório. Ainda é necessário testar amplamente a ação da curcumina em pacientes para saber como ela interage com outros medicamentos. Os testes clínicos, além de provar ou não sua eficácia, mostrarão se a curcumina interfere nas outras drogas e quais são os efeitos. Já existem tratamentos patenteados para alguns tipos de câncer que combinam a ação da curcumina com radioterapia ou quimioterapia. Na opinião do oncologista Antonio Carlos Buzaid, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, ainda é cedo para combinar o uso da curcumina com outras drogas. Ele receita experimentalmente a curcumina apenas para pacientes que já esgotaram os tratamentos convencionais. Dos sete que ingeriram 8 gramas de curcumina por dia, apenas um teve uma boa resposta: apresentou redução de 30% no câncer durante oito meses. "A curcumina é barata e não é tóxica ao organismo nessas dosagens, por isso pode ser usada experimentalmente", afirma Buzaid. "Mas é preciso lembrar que não existe uma solução milagrosa."

Ainda é necessário cautela para usar a curcumina em doenças graves. Mas, se você está se perguntando se aquele arroz com curry do restaurante tailandês ou indiano terá algum efeito sobre sua saúde, a resposta é animadora. As pequenas doses de curcumina ingeridas por meio da alimentação não seriam suficientes para tratar um câncer, mas poderiam ajudar na prevenção de doenças. Embora esse tipo de estudo ainda precise ser aprofundado, Aggarwal acredita que uma evidência esteja na relação entre a incidência de câncer na população da Índia e o uso abundante de cúrcuma no país. "Nós sabemos que o cúrcuma pode diminuir o câncer, então há uma razão para explicar que a incidência de câncer de pulmão, de cólon, de mama e de próstata seja menor na Índia que nos Estados Unidos", diz. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o câncer é responsável por 31,7% das mortes nos EUA e 9,5% na Índia. A alimentação dos indianos, rica em curry, pode explicar a incidência menor da doença no país. Mas, embora estilo de vida seja um fator importante no desenvolvimento de câncer, não se pode esquecer que nos Estados Unidos as pessoas vivem mais. Como há mais idosos, a incidência de câncer tenderia a aumentar.

Quem quiser aproveitar as propriedades medicinais do cúrcuma e dar um sabor e uma cor a mais à comida pode seguir a sugestão do chef David Zisman, do restaurante tailandês Nam Thai, em São Paulo. "Ele vai bem em preparados com leite de coco, no arroz e em peixes, frangos e vegetais refogados." 

 

TRATAMENTO PICANTE

Como a curcumina, um componente do cúrcuma, pode tratar doenças

• Câncer
Estudos do M.D. Anderson Cancer Center, nos EUA, mostraram que a curcumina inibiu proteínas associadas ao desenvolvimento de câncer de cólon, pele (melanoma), próstata e mama

• Artrite reumatóide
A curcumina impediu a inflamação das articulações características da doença, em um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos

• Mal de Alzheimer
Um estudo realizado pela Universidade da Califórnia, nos EUA, sugere que a curcumina pode ajudar a eliminar as estruturas associadas ao mal de Alzheimer no cérebro

• Cirrose hepática
Cientistas americanos, chineses e finlandeses constataram, em um estudo com ratos, que a curcumina bloqueou a ação de uma proteína ligada à cirrose hepática

• Fibrose cística
Uma pesquisa com ratos na Universidade Yale, nos EUA, revelou que a curcumina pode compensar o defeito genético causador da doença, que afeta vias respiratórias, pâncreas e fígado

 

 

 

Foto: Rogério Albuquerque/ÉPOCA

 

 

 

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Fonte: Revista Época